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domingo, 7 de novembro de 2010

Mãe Luanda


Terra vermelha,
Cor do sangue da gente que te percorre
Nos emaranhados de que te fazes,
Livre como o curso do rio de águas amenas e calmas
Onde bebes a saudade e celebras a vida.

Bar aberto
Nas bermas da ternura do teu povo,
Em cada sorriso dos teus filhos,
Mãe de esperanças sem desgostos
Que ao teu balcão a tristeza não se bebe.
Espera-se a madrugada de olhos postos no azul
De mãos dadas com o arco-íris das monções.
Sempre minha, sempre mãe, sempre Luanda

José Alberto Valente

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Eu queria fazer-te um poema



Eu queria fazer-te um poema
Que nunca ninguém tivesse feito
Queria escolher palavras que nunca tivesse lido
Formular-te desejos que nunca sentiste
Desenhar-te em traços intermitentes
Colorir-te em cores surreais

Apanhar-te na simbiose cálida
De um fado com uma morna,
Descobrir-te na combinação
De um Dali com um Monet,
Encontrar-te na esquina
Da saudade com o agora.

E agora… e agora roubar-te
Da realidade para o sonho
Da calma para a tormenta
De uma tormenta de lençóis
Em cama revolta e enfim
Fazer-te o poema…
Escrito com os nossos corpos,
Declamado nos nossos sussurros


José Alberto Valente

Benguela aos meus olhos



Encostada aos treze, é de sorte que te falo
De te ver assim dolente e preguiçosa
Vermelha, rubra de paixão
A beijar o mar em ares de ociosa.

Morena nasceste, de branco te vestes
Nas areias em que te espraias.
Generosa de azul, de mar e céu
Oferendas acácias em ruas e praias

Donzela com ares de mulher feita
Vaidosa, atrevida e traquina,
És Benguela desde que te vi
De África a mais bela menina.

José Alberto Valente

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Crónica de um óbito



Íamos numa pequena viagem pela província do Huambo, entre amigos, no trajecto tivemos uma surpresa, um Coelho maluco suicidou-se, atirando-se sem pensar sobre as rodas do Jeep que estava à nossa frente, “ Que cara maluco, suicida ou terrorista!”, podíamos nós ter colidido com o carro na nossa frente, mas num momento de insanidade a vitima, acabou com sua vida.
Que loucura! O que poderíamos fazer com aquele minúsculo individuo, ali amassado por 2,5 toneladas de ferro.
Paramos imediatamente, para prestar socorro à vítima, pois as leis de trânsito são rígidas e caso nos ausentássemos sem oferecer auxílio poderíamos ser punidos.
Mas no entanto nada pudemos fazer, a vítima jazia já sem vida.
Bom, para o melhor andamento da situação tivemos que remover o corpo do pequenino amaçado, e levamos até à fazenda, até porque já estávamos num horário avançado da noite.
Então veio o dilema, o que fazer com a vítima? Eliminar o corpo, dar aos cães, o que fazer?
Num súbito de lucidez tivemos então a intervenção do Sr. Rasoilo, a prontificar-se para resolver a situação.
Assim tive que dar minha contribuição para que pudéssemos de uma vez resolver isso, pois já passava das duas da manhã.
Muito rapidamente peguei uma faca bem afiada e tirei a camisa (couro) da vítima, e o coloquei em água corrente até o dia seguinte.
O dia já amanhecia quando o Sr. Rasoilo conduziu o preparo das honras fúnebres da vítima, colocou o pequenino em uma panela com um bom vinho tinto e muito tempero e ali se consumou o Coelho à Caçador.

Att. Leandro Fioreze.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Novos membros...


O clube gastronómico de Luanda conta com mais 3 membros. Estes queridos confrades serão convidados para o próximo convívio com data a estabelecer mas que esperamos seja para breve. São eles:
- General Ito
- Rui Dantas
-João Lobo
O blog da causa, órgão difusor, e o seu Webmaster em representação da presidência General Adolfo Rasoilo e dos restantes membros do clube dá as boas vindas aos novos confrades. Bem hajam.

José Alberto Valente

sábado, 11 de setembro de 2010

Rotas tardias do prazer


Um elemento essencial numa prova de vinhos é a companhia. Por isso eu não gosto de lhe chamar prova de vinhos, gosto do nome degustação, mais abrangente substantivamente porque uma boa conversa também se degusta e se aproveita no balanço prazeroso do toque cítrico de um vinho decantado de propósito para enfeitar os tópicos de um sarau que se estende preguiçoso pela tarde fora arribando à noite em jeito de boas vindas à lua que vem divertida espreitar o ritmo de uma conversa já deslaçada pelos eflúvios bem-dispostos do cabernet que se despoja já não no decanter, mas nas gargantas que lhe dão a fama.
Numa destas tardes de sábado depois do encontro, num almoço que começou tarde auspiciando um tardio desenlace, o General Rasoilo abriu as hostilidades com um Chardonnay australiano para afogar uns carapaus que teimosos boiavam num molho de escabeche a preceito. O sabor do fruto do Chardonnay destaca-se ao primeiro trago dando fama ao nome porque também é conhecida a casta, “Melon Blanc” profusamente cultivada por esse mundo fora mas desta feita a irmã australiana foi a vítima de eleição. É nesta fase que entra o tópico essencial na degustação, a conversa que como num cacho cada uva esconde outra, escorre pela mesa com a mesma profusão do vinho e da honesta comida que com carinho a D. Rosa nos desfila para gáudio dos sentidos.
O Cabernet que se lhe seguiu era um senhor que pela provecta idade teve que ser acomodado num meio de locomoção mais condigno com a sua condição de velho senhor das lides que se presta à sua última viagem. Foi com profundo respeito que o vimos escorrer para dentro do decanter e o deixámos respirar assim livre e orgulhoso o ar vespertino das acácias que se pintam rubras ao cair do sol. Já a conversa volteava em torno de livros e filósofos, outro vício que partilhamos, quando já imbuído da temperatura necessária o Cabernet nos veio amaciar a garganta que já precisada estava desse afago consolador que só os taninos densos e aristocráticos conseguem conferir, deixando o palato aconchegado nos complexos aromas de frutos tais como a ameixa e a amora silvestre numa variedade vigorosa e de frutificação médio-tardia.
O sol descansava finalmente no ninho que escolheu algures por trás do Mussulo. O pardo da noite balançava entre as luzes tremeluzentes embaladas pelo ressonar dos geradores que embalam a noite de Luanda. A pedras de gelo a cair cantantes no vidro dos copos davam as boas vindas ao Cutty-Sark velho que teve as honras de encerrar o périplo das cordas vocais que atravessaram meio mundo num canto de um alpendre, de Hegel a Miller, da história de Angola que se confunde com a lusa de que me orgulho de pertencer. O mesmo orgulho de uma tarde a privar com esse Senhor que da vida sabe retirar os seus prazeres, vindimando as lições que fazem dele um inconformista no mais nobre e puro sentido que a palavra em si encerra.
José Alberto Valente

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

CLUBE GASTRONÓMICO DE LUANDA ORGANIZOU PROVA CEGA DE VINHOS DO MUNDO NO RESTAURANTE-RESORT ACÁCIA RUBRA






















O recém criado Clube Gastronómico de Luanda promoveu no passado fim de semana no Restaurante do Resort Acácia Rubra ao Benfica em Luanda uma sessão enólogo-jazzística com a participação de alguns confrades e amigos do bom vinho e da boa música de Jazz.
O objectivo foi o de reunir à volta de uma mesa em amena confraternização apreciadores de grande experiência e bom gosto refinado na degustação de grandes vinhos do mundo, mas mais concretamente ainda o de estabelecer uma interessante comparação entre vinhos de várias proveniências no sentido de atribuir uma nota final de prova que acabou por revelar de forma singela as tendências enólogas actuais e a confrontação de filosofias vitivinícolas diversas e, em particular, as diferenças de paladares e aromas e dos processos de maturação e vinificação entre os já estabelecidos vinhos do Velho Mundo e os emergentes e excelentes vinhos do Novo Mundo que ganharam um mercado mundial nos últimos 30 anos. Participaram da sessão os confrades Adolfo Rasoilo, Lindo Cristóvão, Domingos Coelho, Júlio Silva, José Cunha, Arlindo Macedo, Hélder Fernandes, José Aguiar e José Alberto Valente.
Tudo isto ao som de Jazz da colecção pessoal de alguns dos confrades presentes, nomeadamente de A. Rasoilo, H. Fernandes, J. Cunha, L. Criostóvão, J.Silva e A. Macedo. O sistema de som escolhido para a ocasião por A.Rasoilo consistiu num amplificador americano a válvulas Jolida, ligado a umas colunas Confluence Villanelle francesas e a um CD Player inglês. Concebidas para um espaço fechado, as colunas francesas surpreenderam pelo seu detalhe e personalidade mesmo em espaço aberto, já que o local escolhido para o convívio foi a esplanada junto ao bar e piscina do complexo Acácia Rubra.
A grande novidade foi trazida por Júlio Silva, o trabalho mais recente do grande pianista norte-americano Herbie Hancock, “The Imagine Project”, uma celebração aos 70 anos do grande jazzman e a cerca de 50 anos de carreira, com a participação de músicos de várias origens musicais. Hélder Fernandes trouxe algumas novidades notáveis de Londres com realce para o novo e excitante Jazz polaco, e Arlindo Macedo apresentou uma novidade da África do Sul, confirmando a vitalidade da escola sul-africana e da sua rica e antiga tradição musical africana transposta para a modernidade. José Cunha apresentou “Earfood”, um dos melhores trabalhos do extraordinário quinteto do trompetista Roy Hargrove que classificou como um dos melhores quintetos do momento.
Foram assim postos à prova 4 vinhos tintos para um total de 8 confrades e a forma de prova acordada por consenso foi a de prova cega (ou blindfold test), ou seja nenhum dos presentes tinha conhecimento prévio da origem, marca, região, preço e castas dos vinhos que lhes foram apresentados a provar.
Este tipo de provas, bastante popular entre apreciadores e críticos enólogos, tem como grande virtude eliminar preconceitos e ideias feitas que geralmente influenciam não apenas subjectiva mas também objectivamente a apreciação. As regras são simples: cada participante fala sobre a sua apreciação o mais objectivamente possível relativamente às características principais ou simplesmente sobre as suas impressões pessoais de cada vinho degustado e conclui com uma nota final numa escala de 0 a 5. Os mais experimentados e veteranos avançaram mesmo, não só com com as suas apreciações, mas também arriscaram um vaticínio sobre a origem, as castas presentes no vinho e mesmo sobre a marca, as quais acabaram por ser um dos pontos altos da sessão que começou ao almoço e terminou com a noite já avançada.
A anteceder a prova cega foi servido, sob os auspícios do chefe do restaurante, um almoço com um prato de peixe assado seguido por um cabrito assado no forno, terminando com uma sobremesa, como forma de preparar o palato para os néctares que viriam a seguir.
O resultado da pontuação só foi dado a conhecer no fim, óbviamente, mas para efeitos deste artigo vamos dar a conhecer as diversas reacções à medida que foram sendo avançadas pelos confrades presentes.
O primeiro vinho veio da África do Sul, um Nederburg Reserve de 1989 (12.5 graus), um Cabernet-Sauvignon que acabou por ser o vinho mais antigo da sessão. Uma edição especial dificil de encontrar comercialmente que foi altamente valorizada por A.Rasoilo que lhe concedeu a nota 4 numa escala máxima de 5. A.R. disse tratar-se de um “monovarietal” ou, se preferirem, monocasta e mais ainda que era um Cabernet-Sauvignon, o que acabou por verificar-se correcto. Porém Domingos Coelho (1), Lindo Cristóvão (0), Júlio Silva (0), Helder Fernandes (1), José Aguiar (1) e José Cunha (0) disseram tratar-se de um mau vinho do velho mundo e acharam-no demasiado ácido. Acabou por ser o vinho menos pontuado da noite com um total de 9 pontos.
O Rock Bare McLaren Vale de 2007, um Shiraz norte- americano de 14.5⁰ foi quase unanimemente considerado de imediato como sendo do Novo Mundo. A.R. (3,5) disse logo tratar-se de um vinho australiano pelo seu paladar e aroma e apenas H.F. considerou-o como sendo europeu. Todos concordaram que o vinho era agradável e tinha um baixo teor de acidez, mas as previsões quanto à casta ou castas variaram do Cabernet-Sauvignon ao Malbec e, quanto às origens, da Argentina e Chile à Austrália. Os 19 pontos atribuidos pelos 8 participantes distanciaram-no do primeiro vinho, mas o melhor da noite acabou por ser uma surpresa sobretudo para os grandes apreciadores dos vinhos do Novo Mundo presentes na sessão.
O Mouchão de 2001, vinificado por Paulo Laureano no Alentejo a partir das castas Alicante-Bouschet e Trincadeira, 14.5⁰, foi o vencedor destacado. Apenas J. Cunha o achou um tanto ácido demais para o seu gosto, mas A.R. deu-lhe a única nota máxima da sessão, um 5, considerando-o logo à partida como um vinho português do Alentejo, mas no geral este vinho português mereceu nota elevada de todos, terminando com a pontuação mais alta da noite, 29 pontos. Alguma reserva no entanto foi feita por alguns dos votantes que consideraram que no final e passados alguns minutos da sua abertura , o vinho começava a perder rápidamente a sua qualidade, caracterísitica que consideraram comum aos vinhos com elevado teor de acidez.
A terminar a prova cega foi servido mais um vinho do Novo Mundo, um blend australiano. O Rosemount Traditional de 2004, 14.5⁰, da região demarcada de McLaren Vale, marca acessível no mercado angolano, elaborado à base do famoso Shiraz Australiano mereceu, apesar de ser o último, e numa altura em que os sentidos poderiam apresentar algum cansaço de apreciação continuada, mereceu ainda assim uma nota elevada, terminando na segunda posição com um total de 26 pontos. Três dos votantes consideraram-no um Cabernet-Sauvignon e a menor pontuação foi dada por A.R. (2,5 pontos)

Uma última apreciação revelou preços na ordem dos 40 aos mais de 100 Dólares por garrafa, sendo neste particular o Mouchão 2001, o mais caro, o que surpreendeu pela diferença mínima em relação ao segundo mais votado, o Rosemount Traditional, cerca de 4 vezes mais barato. O que no dizer de alguns convivas apenas vem demonstrar a ideia de que o vinho não é uma questão de preço, mas sim de qualidade.
No fim a conclusão geral foi a de que não foi uma sessão de grandes vinhos, daqueles que deixam vontade de ir à loja comprar mais uma garrafa com apenas um mau vinho, mas sobretudo o mais importante foi o convívio e amizade entre amigos de longa data e outros novos amigos que têm poucas oportunidades de se encontrarem devido ao nível das suas ocupações, mas que esta foi uma experiência interessante que deve ser repetida. E a de que os melhores vinhos não são necessáriamente os mais caros e famosos.

Luanda, 24/08/2010
Por : José Cunha

domingo, 25 de julho de 2010

Foz sentida com a Barra do Kwanza em fundo


Queria entender o arco-íris,
Perceber as imagens do nascente,
Percorrer o fio ténue da água,
Desde que nasce até ao poente.

Cristalina, cantante depurando os seixos
Que rolam contentes, corrente caprichosa
Criando vida nas margens e no leito
E morrendo no mar, preguiçosa.

Deixando o sal das marés livre e impetuoso
Beijar a foz que abre despudorada e sem margens
Num frenesim de borbulhas alterosas
O sol como testemunha, compõe aos poetas miragens.

Quisera ser arco-íris dos teus olhos
Do teu ventre o poente de nós
De teus seios a miragem de sol-posto
De tuas ternas coxas a minha foz.

Quisera perceber o teu olhar entrementes
Teus gemidos, grito de mim fascinado
Da descoberta do mais terno poiso, eu
Mar fecundo que te abeira o ventre salgado
José Alberto Valente

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A mais bela casta


Há uma voluptuosidade
nos contornos da beleza,
há beleza na imperfeição serena
de quem sabe que não é perfeito.
Há perfeição no desenhar da emoção
pelas vertentes da descoberta.

Há descoberta
sempre que me movo nas tuas cercanias,
desenhando em teu redor
os mais belos socalcos riscados a verde
da vinha que te plantei,
vermelho é o teu fruto,
rubores eflúvios que me provocas.
José Alberto Valente

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Proclamação do Clube Gastronomico de Luanda




No dia 17 de Julho de 2010 , um grupo de amantes da boa cozinha e da enofilia encontraram-se no Acácia Rubra Resort sito no Condomínio SIR , no Bairro Benfica e inspirados pelos fluidos dos pinot noir e dos petit Syraz dos solos americanos , mormente do estado do Oregon decidiram proclamar em seu nome e dos amigos ausentes o Clube Gastronómico de Luanda. Eis o facsimile do documento histórico.

domingo, 18 de julho de 2010

Ensaio sobre "o comer".


“O comer” como sói dizer-se em Português, é não só para nós como para quase todo o mundo antigo com tradições seculares, uma arte. E não há povo como o lusófono para classificar esse nobre acto (o de comer) como arte. Herdeiros de costumes latinos fazemos da mesa a nossa religião e ainda que façam a pé o caminho mais longo até ao Santuário da Muxima, o farnel não pode faltar.
Mas é de pés debaixo da mesa que esse culto é mais aprofundado. O pão não pode faltar, de milho de centeio, de trigo, não importa desde que não seja aquela coisa insípida de pão integral, tem é que ser encorpado e é a primeira coisa a ir para a mesa. Isso e o vinho a preceito servido de preferência em canecas profusas em quantidade. Se houverem umas azeitonas para acompanhar o pão, tanto melhor, se salgadas bem, é uma maravilha porque empurra a pinga. E começa-se assim por dar o primeiro aconchego a um estômago fustigado por uma fome de meia dúzia de horas, desde o pequeno-almoço, imaginem (!) que não se comia nada! Mas isso é frugal para quem passou tal penitência e ainda tem que esperar pela cozinheira azafamada na cozinha por isso o melhor é vir, só para abrir o apetite, uma alheira ou vá lá uns pezinhos de coentrada. O vinho assim vem em catadupa para sorver as gorduras, e deita mais pão que bem preciso é para chupar o vinho. E eis que o dono do tasco se lembra de colocar um presunto fatiado com um bocadinho de melão. O melão aqui tem o efeito de ser só “para desenjoar”. Finalmente vem a vedeta, que é o prato propriamente dito, pode ser um cabrito no forno, uma xanfana de cabra velha, um bacalhau à lagareiro ou até uma massa à lavrador, tudo caminha empurrado por uns bons copaços (ou malgas) de vinho.
É a hora da felicidade suprema do lusófono. É aqui que ele dá azo à fama de “bom garfo”, é aí que se diz que ele tem a “bicha solitária”, se for realmente um fora de série nessa arte diz-se até que ele “come como um abade” vá-se lá saber porquê. Findo o prato principal, pergunta-se se há uma sopinha, “para assentar” diz-se. Se for com feijão, couve e no meio vier uma tora (pedaço de toucinho cozido na sopa) isso é uma dádiva dos deuses e torna-a tão apetecida como o Ronaldo em pleno Santiago Barnabéu. E finalmente e só porque sobra vinho precisa de vir uma “lambeta” que é como quem diz uma sobremesa, chama-se assim porque é sobre a mesa que a queremos, doce, apelativa e carregada de açucares e fios de ovos e outras coisas que tais que nos leva a gabar o nosso índice de colesterol a quem quiser ouvir. E finalmente vem mais uma vez, só “para desenjoar” a travessa da fruta “da época”, madura e suculenta e como o vinho já se acabou e a fruta está tão boa e pede mais uma pinga, venha de lá mais uma garrafa. Acabada a fruta fica-se a bebericar o vinho que restou, se não sobrou manda-se vir mais porque sabe bem ficar a saborear o vinho enquanto se fuma um charuto e se conta umas anedotas badalhocas. Fumados os charutos e bebido mais uma garrafosa de vinho é hora do cafezinho, curto e forte para alçar o palato a uma bagaceira de truz vinda lá daquele lavrador que todos conhecem, é “para deslaçar”, faz bem ao coração e á digestão. E fica-se então a bebericar findo o café mais uns quantos bagaços enquanto o índice de badalhoquice das anedotas sobe de tom.O repasto está feito, hora de combinar um lanchezinho lá para o meio da tarde, só para conversar um pouco e provar aquele chouriço caseiro que saiu do fumeiro ainda a semana passada.
Ora digam lá se isto não é um povo de poetas?
José Alberto Valente