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domingo, 25 de julho de 2010

Foz sentida com a Barra do Kwanza em fundo


Queria entender o arco-íris,
Perceber as imagens do nascente,
Percorrer o fio ténue da água,
Desde que nasce até ao poente.

Cristalina, cantante depurando os seixos
Que rolam contentes, corrente caprichosa
Criando vida nas margens e no leito
E morrendo no mar, preguiçosa.

Deixando o sal das marés livre e impetuoso
Beijar a foz que abre despudorada e sem margens
Num frenesim de borbulhas alterosas
O sol como testemunha, compõe aos poetas miragens.

Quisera ser arco-íris dos teus olhos
Do teu ventre o poente de nós
De teus seios a miragem de sol-posto
De tuas ternas coxas a minha foz.

Quisera perceber o teu olhar entrementes
Teus gemidos, grito de mim fascinado
Da descoberta do mais terno poiso, eu
Mar fecundo que te abeira o ventre salgado
José Alberto Valente

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A mais bela casta


Há uma voluptuosidade
nos contornos da beleza,
há beleza na imperfeição serena
de quem sabe que não é perfeito.
Há perfeição no desenhar da emoção
pelas vertentes da descoberta.

Há descoberta
sempre que me movo nas tuas cercanias,
desenhando em teu redor
os mais belos socalcos riscados a verde
da vinha que te plantei,
vermelho é o teu fruto,
rubores eflúvios que me provocas.
José Alberto Valente

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Proclamação do Clube Gastronomico de Luanda




No dia 17 de Julho de 2010 , um grupo de amantes da boa cozinha e da enofilia encontraram-se no Acácia Rubra Resort sito no Condomínio SIR , no Bairro Benfica e inspirados pelos fluidos dos pinot noir e dos petit Syraz dos solos americanos , mormente do estado do Oregon decidiram proclamar em seu nome e dos amigos ausentes o Clube Gastronómico de Luanda. Eis o facsimile do documento histórico.

domingo, 18 de julho de 2010

Ensaio sobre "o comer".


“O comer” como sói dizer-se em Português, é não só para nós como para quase todo o mundo antigo com tradições seculares, uma arte. E não há povo como o lusófono para classificar esse nobre acto (o de comer) como arte. Herdeiros de costumes latinos fazemos da mesa a nossa religião e ainda que façam a pé o caminho mais longo até ao Santuário da Muxima, o farnel não pode faltar.
Mas é de pés debaixo da mesa que esse culto é mais aprofundado. O pão não pode faltar, de milho de centeio, de trigo, não importa desde que não seja aquela coisa insípida de pão integral, tem é que ser encorpado e é a primeira coisa a ir para a mesa. Isso e o vinho a preceito servido de preferência em canecas profusas em quantidade. Se houverem umas azeitonas para acompanhar o pão, tanto melhor, se salgadas bem, é uma maravilha porque empurra a pinga. E começa-se assim por dar o primeiro aconchego a um estômago fustigado por uma fome de meia dúzia de horas, desde o pequeno-almoço, imaginem (!) que não se comia nada! Mas isso é frugal para quem passou tal penitência e ainda tem que esperar pela cozinheira azafamada na cozinha por isso o melhor é vir, só para abrir o apetite, uma alheira ou vá lá uns pezinhos de coentrada. O vinho assim vem em catadupa para sorver as gorduras, e deita mais pão que bem preciso é para chupar o vinho. E eis que o dono do tasco se lembra de colocar um presunto fatiado com um bocadinho de melão. O melão aqui tem o efeito de ser só “para desenjoar”. Finalmente vem a vedeta, que é o prato propriamente dito, pode ser um cabrito no forno, uma xanfana de cabra velha, um bacalhau à lagareiro ou até uma massa à lavrador, tudo caminha empurrado por uns bons copaços (ou malgas) de vinho.
É a hora da felicidade suprema do lusófono. É aqui que ele dá azo à fama de “bom garfo”, é aí que se diz que ele tem a “bicha solitária”, se for realmente um fora de série nessa arte diz-se até que ele “come como um abade” vá-se lá saber porquê. Findo o prato principal, pergunta-se se há uma sopinha, “para assentar” diz-se. Se for com feijão, couve e no meio vier uma tora (pedaço de toucinho cozido na sopa) isso é uma dádiva dos deuses e torna-a tão apetecida como o Ronaldo em pleno Santiago Barnabéu. E finalmente e só porque sobra vinho precisa de vir uma “lambeta” que é como quem diz uma sobremesa, chama-se assim porque é sobre a mesa que a queremos, doce, apelativa e carregada de açucares e fios de ovos e outras coisas que tais que nos leva a gabar o nosso índice de colesterol a quem quiser ouvir. E finalmente vem mais uma vez, só “para desenjoar” a travessa da fruta “da época”, madura e suculenta e como o vinho já se acabou e a fruta está tão boa e pede mais uma pinga, venha de lá mais uma garrafa. Acabada a fruta fica-se a bebericar o vinho que restou, se não sobrou manda-se vir mais porque sabe bem ficar a saborear o vinho enquanto se fuma um charuto e se conta umas anedotas badalhocas. Fumados os charutos e bebido mais uma garrafosa de vinho é hora do cafezinho, curto e forte para alçar o palato a uma bagaceira de truz vinda lá daquele lavrador que todos conhecem, é “para deslaçar”, faz bem ao coração e á digestão. E fica-se então a bebericar findo o café mais uns quantos bagaços enquanto o índice de badalhoquice das anedotas sobe de tom.O repasto está feito, hora de combinar um lanchezinho lá para o meio da tarde, só para conversar um pouco e provar aquele chouriço caseiro que saiu do fumeiro ainda a semana passada.
Ora digam lá se isto não é um povo de poetas?
José Alberto Valente