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sábado, 11 de setembro de 2010

Rotas tardias do prazer


Um elemento essencial numa prova de vinhos é a companhia. Por isso eu não gosto de lhe chamar prova de vinhos, gosto do nome degustação, mais abrangente substantivamente porque uma boa conversa também se degusta e se aproveita no balanço prazeroso do toque cítrico de um vinho decantado de propósito para enfeitar os tópicos de um sarau que se estende preguiçoso pela tarde fora arribando à noite em jeito de boas vindas à lua que vem divertida espreitar o ritmo de uma conversa já deslaçada pelos eflúvios bem-dispostos do cabernet que se despoja já não no decanter, mas nas gargantas que lhe dão a fama.
Numa destas tardes de sábado depois do encontro, num almoço que começou tarde auspiciando um tardio desenlace, o General Rasoilo abriu as hostilidades com um Chardonnay australiano para afogar uns carapaus que teimosos boiavam num molho de escabeche a preceito. O sabor do fruto do Chardonnay destaca-se ao primeiro trago dando fama ao nome porque também é conhecida a casta, “Melon Blanc” profusamente cultivada por esse mundo fora mas desta feita a irmã australiana foi a vítima de eleição. É nesta fase que entra o tópico essencial na degustação, a conversa que como num cacho cada uva esconde outra, escorre pela mesa com a mesma profusão do vinho e da honesta comida que com carinho a D. Rosa nos desfila para gáudio dos sentidos.
O Cabernet que se lhe seguiu era um senhor que pela provecta idade teve que ser acomodado num meio de locomoção mais condigno com a sua condição de velho senhor das lides que se presta à sua última viagem. Foi com profundo respeito que o vimos escorrer para dentro do decanter e o deixámos respirar assim livre e orgulhoso o ar vespertino das acácias que se pintam rubras ao cair do sol. Já a conversa volteava em torno de livros e filósofos, outro vício que partilhamos, quando já imbuído da temperatura necessária o Cabernet nos veio amaciar a garganta que já precisada estava desse afago consolador que só os taninos densos e aristocráticos conseguem conferir, deixando o palato aconchegado nos complexos aromas de frutos tais como a ameixa e a amora silvestre numa variedade vigorosa e de frutificação médio-tardia.
O sol descansava finalmente no ninho que escolheu algures por trás do Mussulo. O pardo da noite balançava entre as luzes tremeluzentes embaladas pelo ressonar dos geradores que embalam a noite de Luanda. A pedras de gelo a cair cantantes no vidro dos copos davam as boas vindas ao Cutty-Sark velho que teve as honras de encerrar o périplo das cordas vocais que atravessaram meio mundo num canto de um alpendre, de Hegel a Miller, da história de Angola que se confunde com a lusa de que me orgulho de pertencer. O mesmo orgulho de uma tarde a privar com esse Senhor que da vida sabe retirar os seus prazeres, vindimando as lições que fazem dele um inconformista no mais nobre e puro sentido que a palavra em si encerra.
José Alberto Valente

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